As últimas semanas representaram um momento histórico da luta pela terra e pela vida dos povos indígenas do Brasil. Mais de mil pessoas, pertencentes a povos originários de todo o Brasil, foram até Brasília e se manifestaram contra todos os ataques que vêm sofrendo nos últimos tempos.
Diversas entidades, artistas e outras mais de 200 mil pessoas também assinaram cartas de apoio aos povos indígenas, uma movimentação que tem contribuído para visibilizar em larga escala as investidas do Congresso Nacional e do Judiciário atrelados à inconstitucional tese do marco temporal, a qual busca restringir o direito indígena à ocupação do território ao dia 05 de outubro de 1988.
O Projeto de Lei (PL) 490, e seu substitutivo, foi colocado na pauta da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, com relatoria de Arthur Maia (DEM/BA), no dia 23 de junho e aprovado por 41 votos a 20, seguirá para o plenário da Câmara para deliberação. Voto contrário e em separado da deputada Joenia Wapichana evidencia:
Trata-se de usurpação de uma atividade do Executivo pelo Legislativo, porque a demarcação de terras não é ato legislativo. É ato executivo. É um ato meramente administrativo, uma declaração de quais terras já pertencem aos indígenas. (...)
Quanto às matérias apresentadas pelo substitutivo do relator, em sua maioria, confrontam diretamente o artigo 231 da Constituição Federal. Enquanto esta preceitua que são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras indígenas ( § 6º, art. 231, CF), o substitutivo do relator (art. 11) de outra parte,prevê alterações no sentido de reconhecer a legitimidade de títulos, posses e domínios incidentes sobre áreas de ocupação tradicional.
Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2028480&filename=Tramitacao-PL+490/2007
A proposta inicial data de 2007, após muitos anos, em 2021, foi proposto texto substitutivo que prevê a flexibilização de direitos dos povos indígenas considerados cláusulas pétreas do indigenato da Constituição Federal de 1988, ameaçando direitos tais como: o usufruto exclusivo de suas terras e a aplicação do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, abrindo também a possibilidade de revisão das terras que já foram demarcadas e ainda não concluídas. Assim, o poder legislativo está tentando usurpar a competência do poder executivo estabelecida na Constituição e aplicar uma tese inconstitucional ainda pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como se verá a seguir.
Na mesma semana, também estava marcado o julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365 no STF, com repercussão geral estabelecida pelo Min. Fachin para discussão da constitucionalidade da tese do marco temporal. Esta ganhou coro no campo antiindígena após o julgamento em 2013 do caso Raposa Serra do Sol, Petição 3388, o qual apesar de mencioná-la, não a aplicou, e garantiu que a decisão do caso não tinha condão de repercussão geral. No entanto, a tese começou a ser aplicada e combatida de forma descoordenada em todo o judiciário afetando povos indígenas de todo o país e, posteriormente, houve investidas do próprio poder executivo para barrar e frustrar demarcações que não estivessem respaldadas por essa tese.
O julgamento, pela segunda vez neste ano, sequer foi iniciado. Ganhando nova data para 24 de agosto de 2021 e também nova composição dos ministros do Supremo Tribunal Federal, vez que Marco Aurélio sairá do cargo no dia 12 de julho de 2021.
Temos visto os poderes legislativo, judiciário e executivo atentarem contra os direitos territoriais dos Povos Originários e ao mesmo tempo, temos vistos os Povos Originários de todo o Brasil em reivindicação pelo respeito aos direitos reconhecidos na Constituição Federal, assim, o Instituto das Irmãs da Santa Cruz vem por meio desta nota somar-se ao coro dos povos indígenas para dizer: NÃO AO MARCO TEMPORAL!
Texto| Equipe ADDIISC
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